Editorial - Kulimando alguns saberes (SABORES)
Resumo
Kulimando alguns saberes (SABORES)
Este kulimar traz-nos seis interessantes artigos sobre diferentes temas cujo denominador comum é o facto de estarem circunscritos à área das artes e cultura, esta entendida como:
i- Manifestação de trabalhos e práticas;
ii- Processo de desenvolvimento; e
iii- O que expressa uma forma de vida.
Aliás, vale aqui relembrar a definição de cultura que a Unesco nos propõe. Portanto, cultura não no sentido restrito das belas artes, literatura e filosofia, todavia, como As características distintivas e específicas e a maneira de pensar e organizar a vida de cada indivíduo e comunidade. Por isso, cobre a criação artística, bem como a interpretação, execução e circulação das obras de arte, cultura física, desporto, jogos e actividades ao ar livre e também as formas de como uma sociedade e os seus membros exprimem os seus sentimentos para a beleza e harmonia, a sua visão do mundo, como também os modos de criação científica e tecnológica e o controle do seu ambiente natural.
Daqui decorre a panóplia de artigos que perfazem esta “machamba”.
O primeiro, da autoria de Daniel Inoque, faz uma incursão sobre a contribuição da história no processo de gestão do património da cultura pesqueira. Por via de pesquisa bibliográfica e documental, o trabalho procura dar conta de como a história nos pode ser útil para a compreensão da complexa acção cultural que é o da pesca. Esta actividade é enformada e enforma o património da cultura pesqueira que, no caso, está patente no Museu das Pescas de Moçambique, de que o artigo nos fala, tendo em conta as suas origens e o envolvimento das comunidades na produção de significados a ele inerentes, o que o autor arrolou por via de histórias de vida. Dito de outro modo, o artigo acaba se referindo à importância da preservação da memória e das práticas culturais decorrentes da actividade pesqueira.
O segundo artigo é assinado por Rufus Maculuve e alude à discografia em Moçambique no pós-independência. Neste trabalho, Maculuve analisa o percurso da produção discográfica de 1975 até 2015. Periodiza a produção discográfica no país e conclui que:
i- Ao longo destes anos as mudanças tecnológicas têm sido muito aceleradas o que deve ser tido em conta na análise do momento discográfico moçambicano;
ii- Que o Estado deixou de ser detentor de todos os meios tecnológicos (estúdios de gravação, edição e radiodifusão), passando o sector privado controlar parte considerável do processo;
iii- Que o surgimento de editoras e produções independentes, o músico passou a desempenhar papel central no processo de produção discográfica, o que muda o mapa discográfico de Moçambique; e
iv- Em suma, o autor aventa, por hipótese que, havendo actualmente, outros suportes de reprodução sonora, parece estar eminente a “morte da indústria discográfica, pelo menos nos moldes tradicionais”.
O papel das lideranças locais no desenvolvimento local: uma perspectiva histórico-cultural moçambicana é o artigo que se segue. Da autoria conjunta de Miguel Marregula, João Mucavele e Estevão Malevo, fala-nos da presumível manipulação dos líderes tradicionais/comunitários.
A despeito do papel histórico das lideranças locais nos processos de desenvolvimento, os referidos líderes são relegados para segundo plano nos processos decisórios locais, pelo poder formal, o que configura uma espécie de déficit de participação democrática, dos actores locais nesses mesmos processos.
No artigo intitulado, A Cultura e a Produção do Conhecimento Científico em África, Blaunde Patimale faz uma viagem pelo campo das epistemologias e do seu papel no atribulado processo de construção do conhecimento sobre a acção cultural em África. Usando as lentes de Bachelard, o autor aplica-as para visualizar a realidade africana. Blaunde assevera-nos que, Existe uma necessidade de cada pesquisador ou filósofo africano tomar consciência do carácter construído de todo o conhecimento científico. Portanto, a conclusão é a proposição que tem atravessado as discussões epistemológicas ao longo dos tempos: o conhecimento é um constructo e um construtor social em continuum. Para o efeito cita Hountondji:
Na nossa cultura (africana) existe um corpus de conhecimento por vezes muito elaborado fielmente transmitido de geração em geração e que muitas vezes se enriquece ao longo dessa transmissão.
O artigo seguinte faz um estudo comparativo do texto as Tuas Dores da autoria do poeta Armando Guebuza, e a letra da canção Combatentes da fortuna da autoria do rapper moçambicano Azagaia (Edson da Luz). Usando o conceito de dialogismo proposto por Mikhail Bakhtin e a noção de intertextualidade adiantada por Julia Kristeva, Emílio Cossa capta a realidade utópica e distópica que os dois textos espelham, quando confrontados com a realidade social hodierna. Na verdade, trata-se da promessa de um futuro livre da dominação e da opressão, ora distópica e, provavelmente desencantada.
Por sua vez, Isaú Meneses e Cléulia Gero assinam o último trabalho: Turismo cultural e diplomacia: contextos e perspectivas. Neste, a intenção dos autores é reflectir sobre a relação de complementaridade que o turismo cultural e a diplomacia consubstanciam. Em jeito de brain storming, no seu entender, pretendem incentivar o debate na perspectiva de que este ajudar-nos-á a identificar:
As formas mais eficazes e métodos eficientes para a optimização da simbiose cultura e turismo, a contribuição do turismo cultural e da diplomacia cultural no desenvolvimento sócio-económico e na promoção da identidade e dignidade do país dentro e na diáspora.
Esta é a quinta kulimar. Decerto, mais virão. A nossa intenção é que a publicação desta revista seja semestral. Estamos no caminho certo, óbviamente, tendo em conta todos os constrangimentos económico-financeiros e outros, que atravessamos. Acreditamos que, não serão eternos.
Só para finalizar, importa que, sempre e de forma mais premente, tenhamos em conta as questões epistemológicas que se nos levantam no dia à dia. Na verdade, chamo a atenção para o nosso aprimoramento teórico-metodológico, desafio permanente nas academias, como a nossa que se pretende de excelência.
Mãos à obra: Pambeni!
Filimone Meigos
Referências
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